sábado, março 29, 2008

The Beautiful and the Damned

“Acho que tudo depende do movimento dos corpos”

Ela disse já descendo as escadas da casa ao lado da casa antiga na Rua Henrique de Novaes. Movimento requer transformação, transmutação a cada segundo de sentido ou som, se o universo se expande, os corpos estão naturalmente ligados à necessidade de deixar o instante anterior no passado. Aliás, passado não existe na Física. Só presente.

Claro que quando falamos de razão, ou racionalidade, o buraco é mais em baixo; ninguém pode dizer com confiança que apagar marcas (que na verdade são pequenas partes do que você é) pode ser possível, ou até mesmo necessário. Deixar pedaços seus pelo caminho é um ritual cotidiano, agora, deixar os pedaços que você gosta, que representam de alguma forma o significado de tudo que você acredita, parece mesmo improvável. Entendo bem isso. Só que acredito também no movimento, ou além, acredito que isso faça parte de um processo maior de transformação. O instante anterior deixa o agora e o amanhã fazerem sentido, a forma só nasce da função, senão é um fruto estéril. Tudo depende mesmo da movimentação dos corpos, todos os dias, e é assim que as coisas devem seguir. E ponto. Este parágrafo serviu para encerrar um ciclo pra mim. E daqui pra frente, nesse texto e na vida, só quero falar de coisas novas. A minha escolha é pelo movimento, não importa como ele aconteça. E ponto grande outra vez, pra encerrar mesmo.

Agora eu quero dar passos menores, ver as coisas de um ângulo mais próximo, mais íntimo, conhecer os detalhes do seu vestido preto de perto, saber se os desenhos são bolinhas ou apenas pequenos pontos no tom escuro do tecido, fazendo sua pele contrastar e refletir a luz daquela casa como se fosse um espelho d’água. Existiu um momento naquela noite em que a resposta mais simples para a sua pergunta sobre nós, bateu na minha cara. Eu escolheria você pela felicidade de dividir qualquer coisa com você. Eu quero dividir a minha esperança, te dar metade de tudo, poder procurar a insanidade de um dia formar alguma coisa, ou só mesmo acreditar que posso ser uma parte de você, eu só quero ser uma parte aí dentro de você. Uma parte que te leve a outros lugares, que ajude a procurar a confiança perdida nas pessoas, e que essa divisão entre os corpos seja necessária, porém indesejável.

Eu queria era sentir preguiça de me separar, de ir embora, de te deixar ir embora, de querer te deixar parar de querer ir até um pouco mais longe comigo. Eu queria poder tanta coisa com você, ficar mais forte, mais seguro de que posso escolher uma outra parte pra mim só pela vontade de ter essa outra parte. Enfim, eu só queria que as coisas legais que a gente imagina pudessem acontecer naturalmente. Só acontecer mesmo, devagar e sempre. E isso, realmente, depende do movimento. No caso, o nosso.

Voltei pra casa querendo procurar uma coisa que o Gore Vidal disse sobre um casal que ele considerava mal sucedido, achei e tenho a obrigação de colocar no meio disso tudo: “Zelda (Sayre) e Scott (Fitzgerald). Estranhamente, Zelda e Scott deveriam combinar perfeitamente, no sentido platônico. Como isso não é possível para nós, cada um dos dois se tornou a sombra do outro, e apesar do desejo e da busca recíprocos, nunca chegaram a formar um todo”.

Acho que ele não entendeu que formar um todo era o ponto menos importante entre os dois, talvez a conseqüência mais tola e previsível. O que os transforma em motivo para dizer isso que eu digo agora, é a vontade básica de dividir alguma coisa incondicionalmente com outra pessoa, nem que seja um ideal. E quando eu olho pra você, dizendo qualquer coisa e achando graça, é nisso que penso.

Nós dividimos ideais. E pronto. Acho que além disso, não existe muito mais pra dizer ou argumentar. Não precisa existir um todo, só o movimento pra tentar sê-lo.

quinta-feira, março 20, 2008

bate-papo pré-mergulho-pós-beijos-efervecentes

- Mas você sabe que não vai dar certo. [suspiro] Isso não vai dar certo...

- Meu amor, a morte dá certo. Até lá a vida dá errado.

domingo, março 16, 2008

A força de um inferno

"Porque um mundo todo vivo tem a força de um Inferno."
Clarice Lispector

Fui criado direitinho, sempre fui à igreja. Desde que me lembro, estava eu toda semana na escola dominical da Igreja Metodista. Sempre fui relativamente íntimo do pentecostalismo: as 'línguas estranhas', a expulsão de 'espíritos malignos', as obras do Espírito Santo, vi tudo de perto. Não contem pra minha mãe, mas todos aqueles anos de culto não me ajudaram muito.

Mês passado eu me apaixonei por um demônio.

Ela é sim uma divindade decaída, uma outcast do paraíso, muito bem educada pelo capeta a falir almas, esgotar espíritos. A começar porque você tem escolha. A opção é sua a sucumbir àquela bomba de estímulos, àqueles (grandes) lábios incandescentes.

Minha morte não se dá por colisões de trens, não é a explosão de um cargueiro. É lenta, muito mais lenta. É a longo prazo, é Parkinson, é o vazamento de uma usina nuclear, gerando essas minhas vidas deformadas, filhas dessa chernobyl particular.

Amá-la é de um envenamento contínuo.

[continua(?)]

quarta-feira, março 12, 2008

Nine out of ten movie stars make me cry

I’m alive.

E vivo agora no Solar da Fossa onde Caetano plantou folhas de sonho e Leminski colheu. O dinheiro é contado pra café, comida e cigarro. Cerveja quando sobra alguma coisa. Durmo ao lado da garota vestida pra viagem nos encartes de compact disc e ela me masturba com as unhas pintadas de esmalte rosa. O mundo que era jardim virou caderno de classificados de domingo, cheio de caminhadas longas até empregadores dizendo bobagens que os tornaram donos de alguma coisa. É cedo demais para a loucura e tarde demais para a poesia. Pro amor então, nem se fala.

Quando atravesso o túnel, vejo uma Copacabana iluminada pela manhã que apaga as cores de quem ganha a noite como eu já ganhei um dia, com o coração de primeira viagem, agora calejado só suporta os dias de segunda à sexta, essa coisa toda de vida real, sem cruz do Pilarzinho, nem ilusão de novos tempos, o trabalho deve aparecer logo, mas o sonho garante que não vai parar de produzir. Guardei esse ensinamento para não tentar o caminho mais óbvio. Aqui vai o poder de imaginar a força interior suportando a construção de um edifício pálido de concreto armado onde ainda existe o meu peito. Meio machucado, ele persiste. Ninguém compreende ou me conhece.

O Solar no meu peito ainda não é coluna alguma do Rio Sul.

sexta-feira, março 07, 2008

Focos

Foi preciso um tempo mas eu me dei conta de que aqui eu sou o homem e você a menina. Passei tempo demais intimidado, tantos compassos (te) esperando.

Descobri coisa triste, coisa funda, coisas francas, coisas lindas...
Mas amar essa volatilidade, esse tanto-me-que-nem-me-quer, essa porra toda dói e cansa. 

Há esses ciclos, essas semanas em que você está fora de foco; eu te olho e fico nauseado. É a minha retina sem danos ou a tua personalidade embaçada? Quando está perfeito e a realidade vira aquele borrão: é você nítida ou eu desfocado?

Me sinto personagem de um filme do Wong Kar-Wai.

quarta-feira, março 05, 2008

Os Autores



Klaus Maia e Manoel Magalhães por Natalia Valle.
(Bairro Peixoto - Copacabana - RJ)

Obsessão

I

Ela caminha pela Rua Augusta entre carros de som e prostitutas que começam o expediente sempre às seis da tarde. Já sente o frio de Maio apertando no corpo e resolve vestir as luvas e o cachecol colorido que trouxe do Rio. O néon no letreiro de uma loja de sapatos ilumina, levemente, os tons de amarelo que beijam cada mecha do cabelo recém cortado há alguns passos na Paulista e ela ainda não se cansa de ajeitá-lo com a ponta dos dedos. Cruza a calçada do espaço Unibanco de Cinema olhando o céu da cidade que agora engole as nuvens com um marrom perdido entre o prenúncio de chuva e a fumaça dos automóveis. Entra no bar combinado, ele está na última mesa.

- Você tem certeza de que quer ir até lá? Ela pergunta; olhando o relógio na parede para disfarçar também suas dúvidas.

- Tenho. Absoluta certeza.

- Então vamos, acho que é bem lá pro final da rua.

O dois atravessam a Augusta inteira, apressados, ela quer contar sobre as gravações no Rio, ele responde o necessário, parece distante, pergunta o tempo inteiro se é aquele o Hotel, ela diz que não, que avisa quando for, e de tanto falar sozinha já acha melhor aceitar aquilo como natural. Só ir até lá e pronto, resolver isso logo, acabar com essa besteira que não deveria ter começado no dia que tocou no assunto. Pronto. Néon vermelho clássico, fachada em azul desbotado e ele querendo entrar logo, nem presta muita atenção na senhora que anota seu nome no recibo, que nem ficha é, só nota de pagamento mesmo, e pela mão a carrega por um corredor cheio de pó e cheirando a mofo até a escada nos fundos. Não são muitos andares.

- Qual era o apartamento?

- Segundo andar, 201, eu acho.

- Acha?

- Era 201 mesmo.

[continua]