quarta-feira, março 05, 2008

Obsessão

I

Ela caminha pela Rua Augusta entre carros de som e prostitutas que começam o expediente sempre às seis da tarde. Já sente o frio de Maio apertando no corpo e resolve vestir as luvas e o cachecol colorido que trouxe do Rio. O néon no letreiro de uma loja de sapatos ilumina, levemente, os tons de amarelo que beijam cada mecha do cabelo recém cortado há alguns passos na Paulista e ela ainda não se cansa de ajeitá-lo com a ponta dos dedos. Cruza a calçada do espaço Unibanco de Cinema olhando o céu da cidade que agora engole as nuvens com um marrom perdido entre o prenúncio de chuva e a fumaça dos automóveis. Entra no bar combinado, ele está na última mesa.

- Você tem certeza de que quer ir até lá? Ela pergunta; olhando o relógio na parede para disfarçar também suas dúvidas.

- Tenho. Absoluta certeza.

- Então vamos, acho que é bem lá pro final da rua.

O dois atravessam a Augusta inteira, apressados, ela quer contar sobre as gravações no Rio, ele responde o necessário, parece distante, pergunta o tempo inteiro se é aquele o Hotel, ela diz que não, que avisa quando for, e de tanto falar sozinha já acha melhor aceitar aquilo como natural. Só ir até lá e pronto, resolver isso logo, acabar com essa besteira que não deveria ter começado no dia que tocou no assunto. Pronto. Néon vermelho clássico, fachada em azul desbotado e ele querendo entrar logo, nem presta muita atenção na senhora que anota seu nome no recibo, que nem ficha é, só nota de pagamento mesmo, e pela mão a carrega por um corredor cheio de pó e cheirando a mofo até a escada nos fundos. Não são muitos andares.

- Qual era o apartamento?

- Segundo andar, 201, eu acho.

- Acha?

- Era 201 mesmo.

[continua]