quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Bela Cintra - 567

Fumaça de cigarros diferentes. Pessoas com sorrisos diferentes. Olho assustado cada rosto novo. São dezenas. Observo as costas abertas de duas mulheres lindas. Tatuadas. O som na pista é alto e nos outros ambientes todos conversam abafando os ruídos.

Meu foco logo encontra um sentido obsessivo. Ela está com uma amiga. Conversam sentadas, talvez tentando se afastar do barulho. Acaricio com os olhos cada detalhe daquele rosto. Uma pinta que inevitavelmente lembra uma atriz. Só que essa sorri bem mais bonito.

Preciso dizer alguma coisa. Ela olha tão dentro dos meus olhos dessa vez que acaba virando o rosto no reflexo do encontro de olhares. São tantas bobagens que se diz nessas horas. Nunca consigo pensar em algo inteligente, então o jeito é escrotamente tentar ser engraçado. Raro quando isso funciona. Fiz o óbvio mesmo.

- Olha, eu já estou de saída, só não queria ir sem pegar seu telefone.

Ela oferece os olhos e sorri pegando a caneta. Escreve Isabel no verso do bilhetinho com os números. Eles ainda estão anotados por aqui em algum lugar.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Entre

Beijo. E o cheiro me trinca os dentes. Mente, porque quem sente sou eu. Seu, sim, mas também são. Não tento, invento. Pra minha explosão; a mão ou o chão?

Meu amor, "viver é ir entre o que vive". (João Cabral de Melo Neto)

Verborragias Fotográficas

Fiz bem-me-quer-mal-me-quer na folha de caderno que tinha um poema com o teu nome. Foi logo antes de acontecer. Quando vi, teus olhos já estavam ali aquecendo meu peito e falando de ti. Quase deixei seu rosto escurecer demais. “O retrato mais bonito que eu fiz”.

Esse tipo de revelação tem um quê de mística, é ritualística. Luz vermelha, banhos em substâncias especiais e uma imagem que surge não sei de onde. Ela baixa ali. Pra mim, ela ascende.

Eu tinha essa idéia da minha fotografia perfeita; você subverteu tudo. Posou errado, se sacudiu e disse que era melhor assim. Raridade: eu estava sem palavras. Quando vejo agora percebo a infinidade de cenários e enquadramentos que você me deu.

Um coro me trouxe de volta para este tempo de hoje, todos os teus retratos cantando como se fossem backing vocals gospel. I don’t understand about complementary colors. What they say: side by side they both get bright, together they both get grey.

Depois disso, peguei o filme e decidi ampliar tudo de novo. Vou fazer diferente. Vamos ser? Vamos. Está na hora dos nossos milagres. É agora que te possuo. E sem metáforas; é você pra mim! Deixei a luz entrar pela película. Fotograma por fotograma, o processo foi cuspindo o invisível no papel. A revelação está em mim.

Fiz isso com todas as Ísis que eu vi e comecei a engolir as 10x15, que desciam sem eu mastigar. Vamos lá, se mostre pra mim! Peguei o coquetel mágico e entornei: primeiro o revelador, depois água, depois o fixador. Shots fotográficos. Me faltou limão.

Depois da 22ª, caí no chão de dor, vomitei tudo, emoldurei e pendurei na parede. Estão lá até hoje, os retratos mais bonitos que eu fiz.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Versículo 1

Ela fica linda com aquele vestido vermelho de listras negras, eu coloco Racionais pra tocar na sala e tiro a camisa, o calor de janeiro no Rio deixa as janelas escancaradas para os vizinhos e o ventilador de teto gira rápido enquanto a Laura apaga o cigarro, me beija e ri sozinha. As primeiras semanas juntos passaram e ela diz que sempre foi desse jeito que imaginou tudo se acertando um dia, toca minha cabeça e corre a mão até o pescoço com os olhos fixos no movimento dos dedos, outro beijo e começo a descer a alça do vestido apontando para a mesa perto da janela.

Laura levanta e me leva até lá.

Ela senta, arrastando com força no braço meu corpo para perto da quina da mesa, beija com raiva e eu tiro sua calçinha em um tranco afoito e descompassado com o movimento de suas pernas que tentam facilitar o caminho. Vou forçando a entrada em seu sexo com as mãos agarradas no pouco cabelo entre a nuca e os ombros de Laura. Ela reclina o corpo na mesa e é maravilhoso olhar seus seios, com o vestido meio palmo abaixo, enquanto trepamos sem pensar se alguém olha lá de fora, se as outras janelas estão abertas ou as luzes acesas; porque se nos observam é com a vontade de viver algo parecido com isso. Só isso.

sábado, fevereiro 09, 2008

Desmanche

Você tira coisas de mim. Você me expõe às minhas traças. Você me arranca minhas crias e umas tiras da minha pele. Aos poucos vou sendo desmontado. E quando eu me der conta de tudo isso, você já vai me ter tirado inteiro e não vai ter como lutar.



* serei teu.

Paixões Polaroid - # 2

Sentada perto da janela, um pedaço aberto da cortina. O blusão escorrendo pelas pernas e os olhos me lambendo devagarzinho. Tudo-o-que-eu-sempre-quis. Não ligava de quebrar o baseado, mas tinha que segurar com classe.

Só não lembro se foi antes ou depois, está tudo amarelado já. Sempre me disseram que estas não duram muito. Nunca acreditei, não acredito.

Antes, definitivamente antes. Depois houve flares na parede, aquele ruído todo no teto. O quarto em panning! Aqueles peitos, mamilos-áureos.

Mas ainda teve antes. Antes ela pintou as unhas. Antes disso ainda contei os pré-molares no meu braço. Mas isso foi antes de ficar roxo (e preto e amarelo e verde). Não lembro exatamente quando ela me mordeu.

A única coisa que me marcou foi que antes disso eu não tinha máquina ou filme ou chão.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Paixões Polaroid - # 1

Acordo beijando os seios dela ainda dormindo. Olho a respiração evoluir em movimentos lentos. Que horas são? Procuro as calças no canto da cama e escorrego o cobertor grosso sem fazer muito barulho. Onde eu joguei a merda do cigarro? Na parede branca apenas um cartaz do Encouraçado Potemkin. A cortina cobre a janela e a luz que penetra calma parece fotometrada pelo Walter Carvalho.

Caminho descalço pelo piso frio até a cozinha. Na mesinha um café de ontem à noite e o Carlton que ela fuma. Vou enchendo um copo frio mesmo e procuro na sala algum disco com a cor dessa manhã. Ela tem o Revolver em vinil. A vitrola é pequena e colorida. Fácil de usar.

Na janela que a essa hora parece gigante, acendo um cigarro dela e deixo a música me sentir. O prazer geralmente vem assim, enquanto não penso em nada. Ela aparece na porta da sala coçando os cabelos lindos, encaracolados. Você acordou faz tempo? Não toma esse café aí não, deve estar uma merda. Vou tomar um banho e já faço um quentinho pra gente.

Veio e me beijou antes de ir. Tudo tão doce.

sábado, fevereiro 02, 2008

Invasão

Pra quem? Pra quem?

Jorro. Soho. Morro.

Eu não moro em mim. Eu sou êxodo. Minhas palavras, meu desejo, minha porra; no momento em que existem não são mais meus. Ah, não vou falar que são teus. Mas são de quem?

Me peça, implore, diga que não há medida certa. Não cabemos, não devemos. Grite que não está frio porque ainda temos o céu de uma cidade para mapear. Tantas cachaças que ainda não provamos! Quantas camas ainda não deitamos? "Não há medida certa!"

Quero sentir você escorrendo na minha cara, queimando a minha pele; teu corpo se arremessando contra mim.

Quero a guerra de nossas diásporas.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Parábola

“Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome; explodi de repente num momento alto, expelindo num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos; eu gritei de boca escancarada, expondo a textura da minha língua exuberante, indiferente ao guardião escondido entre meus dentes, espargindo coágulos de sangue, liberando a palavra de nojo trancada sempre em silêncio no veludo desse estojo, era eu o irmão acometido, eu o irmão exasperado, eu, o irmão de cheiro virulento, eu que tinha na pele a gosma de tantas lesmas, a baba derramando do demo, e ácaros nos meus poros, e confusas formigas nas minhas axilas, e profusas drosófilas festejando meu corpo imundo.”

Você diz que parece uma maluca repetindo coisas que são apenas suas para alguém que talvez não entenda nada. Eu sinto saudade de quem que você é, mas soterra, camufla o coração nos novos vestidos, na unha agora vermelha, nas sandálias que são o que você realmente sempre foi. Uma mulher de carne, linda, os olhos que eu observo sempre por dois segundos intermináveis antes de te beijar, sentido o peito disparando junto com a sensação sem nome que talvez defina o que somos nós dois juntos.

As coisas são e realmente parecem difíceis, tudo é travado em uma chuva pesada de situações que já nos aconteceram, os beijos, os desencontros, o tesão reprimido na experiência real de viver uma versão moderna da parábola do filho pródigo, eu querendo você como na ficção André cobiça Ana, fúria, loucura e vontade dominando qualquer atitude que a razão absoluta possa tomar, você reluta ao pecado da carne que é quase fraterna perante seus olhos, mas eu, menino que cresce tendo no espelho, ou na irmã, a única coisa que reconhece como desejo, e quer socar o mundo pra transformar tudo o que lhe foi proibido em uma realidade de casal fugindo da vida mediterrânea pra cultivar na América do Sul o sonho de trabalho e sustento. Trabalho e tempo lento. Trabalho e fruto. Fruto esse, sagrado mesmo no que queremos chamar de profano, mas nosso fruto, ou fruto único da nossa vontade.

Eu queria dar esses passos curtos, parecidos aos do diabo, em sua companhia, vivendo sob o céu desta cidade ou de outra qualquer, embaçada pelas nuvens frias que um dia brindamos ao caminhar pela Avenida Paulista em Janeiro, mesmo sabendo que o desejo é sempre impossível, senão não seria desejo, talvez no trabalho se encontre a solução para o abismo da sua cólera e desconfiança. Talvez no exemplo dos mais antigos encontremos o silêncio, a perseverança, a sabedoria, e para além do pecado poderemos conquistar no chão de qualquer casa o prazer de sentir o peito do outro, mesmo entre as chagas de tantos desencontros que nos trouxeram até aqui, e assim poderemos, mais fortes, comprar o pão que nos alimentará e trará nossa redenção. O pão, o trabalho. O fruto.