quarta-feira, abril 23, 2008

A força de um inferno (2)

"É lenha, é fogo, é foda" - Chico Buarque

Eu sonhei muito essa manhã. Acho que os ultimos dias desaguaram em mim e eu me escorri. Nessa fase R.E.M. a sociedade Todo Poderoso-Capeta é forte. Uma dança de belzebus e potestades se arremessando na minha doce e confusa noção de vida, cuspindo suas crias oníricas na minha psiqué.

Havia brados, vontades de revolução, havia caminhos e havia você.

A primeira definição para 'demônio' do dicionário é de uma entidade da mitologia grega, uma espécie intermediária entre o natural e o divino. Eis você, a dona do silêncio cruel, das reações demoníacas (escolha um sentido). Escolha. É tudo o que a gente tem, não? É o nosso tormento, ou o meu.

Eu não sei. O cliché deve ser verdadeiro. Dizem que a grande artimanha do tinhoso foi convencer a humanidade de que ele não existia. Te reconheço pelo cheiro, pelo sabor - "so bitter and so sweet" - e pelo entrelaçar de pernas.

Mas você existe?
Não faço idéia, o inferno é uma caminhada sem referenciais.

quarta-feira, abril 16, 2008

Ataque Cardíaco

Ele olha o teto, a televisão, outra vez o teto. O telefone toca e ela diz que está lá embaixo, na portaria. Mesmo parecendo improvável, a vontade de descer pelas escadas chega a passar pela cabeça, o elevador demoraria muito. Ele respira, espera e segue. Ela veste-se de negro e não faz idéia do sentido todo que isso faz no contexto desse encontro inesperado, mais pra classe do que luto, bem mais, na verdade. Eles beijam, parecendo cada vez mais acostumado, lento, certo, estreito, circunstancial ou mesmo só a sensação de encontrar o lugar cativo na boca do outro.

Ela não consegue pronunciar algumas palavras exatamente, teor alcoólico alto. Ele esconde o sorriso largo dentro da carapuça de homem centrado, ela sabe como se colocar e mostra: ‘meu filho, agora é agora’ e ele, sem duvidar, aceita deixando o peito abrir ainda mais para qualquer coisa que ela diga. Com “r” completo ou não. A Cinemascope corta para o apartamento em que o rapaz recolhe livros e jornais do chão, com pressa, pensando que aquilo algum dia já aconteceu em um sonho rápido, desses que a gente só consegue sonhar no final da madrugada, e felizmente, não esquece com facilidade. Outro corte para a portaria do prédio, ela ouvindo música enquanto espera, cantando junto e sem querer transformando tudo em trilha sonora, Verve, vazando dos fones de tão alto, o porteiro com sono, perdido nos seus dias parecidos e ela já querendo subir, com a música na cabeça, para seguir a noite azulada.

O rapaz desce em close-up e sorri quando percebe que ela espera quase abraçada a uma garrafa de cerveja, ele quer dizer a ela que não sabe nem como mostrar que está feliz, que anda louco, querendo levá-la pra qualquer lugar novo, qualquer rua escura, clara, nublada, depois da chuva, com cheiro de chão, gente andando sem garoa, ou com, quer abraçar, atravessar avenidas abertas com a noite acabando, olhar letreiros coloridos e só enxergar a vontade de encontrá-la logo, ou olha-los com ela, sempre, a qualquer hora.

Como é muita coisa pra pouco tempo, ele tenta só beijar seu rosto, o maior número de vezes possível.

[continua]

segunda-feira, abril 14, 2008

Mulheres Invisíveis (3)

Carros, chuva, distância, tempo. O frio chegando em Abril no Rio de Janeiro e pensando em ir para São Paulo, logo. Ele, o frio, sabe que os passos são sempre em direção a algum lugar. A cidade iluminada parecendo o natal, ela andando com a sensação estranha do novo, do dia que vem chegando lá no céu coberto de poluição e nuvens. Os dois bem Bela Cintra-esquina-quase-Augusta, o Metrô, os ônibus começando a aparecer no horizonte largo da maior avenida do país, os letreiros mudando de cor, eles compram cigarros e bebem refrigerante no gargalo mesmo, com sede dos passos transpostos até aqui. Ela de casaquinho cinza, seleção de cenas, número oito, a mais bonita da película.

sábado, abril 12, 2008

A trip to my yard

It’s nothing fancy, just a little couch and me.*

Um pedacinho aqui do meu lado, um cheiro, um aconchego. Uns cantos; os meus, os seus e os que eu tento tirar do violão. Convido para a coberta, não tenho tanto a oferecer. Um tanto de mim, compacto num cômodo, cheio de ti. Preparo alguma coisa pra comermos – não que eu já tinha qualquer destreza gastronômica, mas porque estou sempre me criando pra você e essa é a obra de hoje.

A noite (ou o dia?) decorre como esse texto, movimentos espontâneos sem pressa, um parágrafo de cada vez. E como essas palavras, o tempo jorra camicaze sem saber quando você vai se alarmar com o que sentes e enclausurar nossos momentos nos compartimentos da sua incerteza. E nos picotar e me mandar embora - mesmo esse quarto e esse texto sendo meus - alegando a não substância dos teus gestos, gritando que me amar não é coisa que essa mulher faça, ou queira fazer, e que nessa quem vai me foder sou eu.

É bom dizer: eu não acredito.
Vai ter que se esforçar um pouco mais do que isso.

* Jamie Cullum - My Yard

terça-feira, abril 08, 2008

Correr Perigo, Comigo.

Você talvez não entenda, acho que não dá pra entender mesmo, ninguém entende. Sei lá, é só vontade de te beijar de manhã vendo você acordar bonita desse jeito que você é, ou te abraçar no cantinho da cama antes de dormir, ou tomar um café junto assistindo televisão depois do trabalho no sofá da sala, ou ficar feliz em transar com a minha mulher, por simplesmente ser a mulher que eu escolhi, que eu quero, que eu admiro, sei lá, são milhões de motivos que eu perderia quase todas as horas dessa noite e desse dia de sono dizendo. Não deveria nem escrever isso aqui, já passou da hora de dormir, mas é foda, queria ter como conversar com você sempre, falar isso que escrevi aqui e mais uma porrada de coisas, poder dizer tudo o que eu acho do jeito mais simples. Mas enfim, só pra dizer que você é linda mesmo, com o sorriso mais bonito, que eu reparo cada detalhe em você, não adianta, que suas unhas ficam lindas quando têm cor, que a roupa que você estava usando ontem só te deixa mais bonita, e com ela posso ver melhor a sua pele, a cor da sua pele exatamente, que é linda também, tudo, tudo, tudo mesmo. Olhos, boca, cor da boca, cor dos olhos, a forma como você encara as coisas, o seu jeito de ser sempre diferente de mim, mas não desigual, o quanto você pode ser inteligente, esperta e até dominar o mundo se quiser. Sei lá, só mesmo pra dizer que você estava linda ontem e é linda todos os dias. Sempre. Vou dormir agora antes que passe da conta. Beijo, beijo.

Mulheres Invisíveis (2)

Elena disse que a vida era assim e foi. Tem problemas pra sentir as coisas, se injeta dormências. Gosta de frutas de gosto explosivo, mas engole com tanto cuidado que só sobram faíscas. Tem um sorriso de abrir o Mar Vermelho e mamilos em busca de devotos. A única coisa que ela sabe é onde mora.

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Sabrina nasceu do sexo casual entre o Etna e A Fantástica Fábrica de Chocolates. Fala três idiomas, eu nunca entendi nenhum deles. Nos comunicamos pela escala Richter. Além disso, seu corpo sempre foi muito digno de minhas erupções particulares. Seu sabor vem de dentro, escorre pra vida sem nenhum pudor. Sempre guarda o melhor pro fim.

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Liana é linda que nem o início do planeta. Ela traz à tona meus instintos paleozóicos. Tem a gravidade de um buraco negro. Ninguém nunca soube ao certo se ela existiu ou se o impacto foi da mudança de uma era. Foi uma fenda e um meio. Liana sempre foi uma promessa.

Mulheres Invisíveis

Eu pedi gentilmente e Mel reagiu. Eu posar pra você?, não quero sair nas tuas fotos, você sabe que tenho medo. Linda, se assuste o quanto quiser, eu não vou te fotografar, vou te escrever.

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Luna tem estrelas na pele, ela despe constelações. Quando nua, se veste de céu. Dois astros-rei rosas me encaram e há uma supernova na porção meridional da abóbada celeste. Ah sim, ela às vezes explode.

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Anna eu acabei de encontrar, eu não a conheço. Anda devagar, pisa doce, moves like honey. Mas o movimento derrete todas as coisas à sua volta. O mundo ao seu redor está todo borrado. Qualquer convergência é dela. Da luz, do samba, dos deuses.

sexta-feira, abril 04, 2008

Paulo & Alice

Na manhã do dia seguinte, ao voltar para o apartamento onde planejava encontrar-se com ele, Alice estava com o coração aos pulos e caminhava em direção oposta ao desfile militar de 25 de agosto, o Dia do Soldado. Foi um momento poético, um signo dizendo que se houvesse bom senso ela daria meia-volta e seguiria a parada.

Mas ela foi em frente, no sentido contrário ao da correnteza, para nunca mais voltar.